sexta-feira, 22 de agosto de 2008

"Minha morte"

me enterra,
e com ardor,
me conte a quem mais sobrar:
"indelével desanuvear,
do ventre para o limbo,
foi vivido sob signos de perigo,
e semeado em gozo de enlevo."

me encerra,
fortemente, em linhas de poesia -
e me cante somente para os trovadores
da canção estéril do futuro,
tramada e perdida,
para, contra e a favor,
desse sem-face que me assombra.

mas carrega-me então
para que, ao menos juntos,
possamos atravessar o junco,
a daninha erva,
o corpo fibroso e trincado,
a refestelar-se
na terra, dos amargos deuses.

atravessaremos os ardis -
abnegados trâmites -
e atravessando o leve e último véu,
contemplaremos, sob a benção de um deslumbre,
um estado de leveza de ser, finamente pungente.

... mas quando ficares
à volta de minha lápide,
reticente,
piscante,
assegure-te que comentarão
o quão turvo fui.

*

e enquanto eles se distanciam
em direção ao portão do cemitério...
amarrados permanencem às suas crenças,
questionando seus futuros enquanto carne,
à sombra de um ideal amor póstumo,
invólucro infeliz de vida,
todos intocáveis e irresolutos.

doídamente,
não mais se terão momentos de silêncio após minha morte:
tão somente os barulhos -
arfar sôfrego -
dar-se-ão por carregar-me, alvos,
rumo ao outro mundo -
desconhecida cápsula -
em momentos de cafonia.

... pois provar-se-ão todos fúteis e errôneos,
errantes e errados,
incapazes de achar a porta do lugar
que não só no futuro habitarão
mas o lugar que ainda agora habitam.

... o meu descanso será o desasossego de outrem.

*

ao menos agora
não é mais possível
arriscar-se a tentar
ornamentar minhas
alegrias sob o vão prisma
teu.

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