sexta-feira, 22 de agosto de 2008

"Sumiço"

tu não sabes,
mas existe algo maior que as horas,
maior que as medidas e as grandezas,
maior que o próprio Deus,
e maior que ti e a mim,
habitando a cor dos teus olhos -
é cor jamais antes contemplada,
inefável, indescritível,
que embora todos tenham noção de sua matiz,
ela torna-se somente passível de menção
em estado de emergência:
sítio, petardo que explode,
e engolfa a carne que desmancha...

e nesta tua inconsciência,
inconstância trêmula, insegura,
é que me recuo perante ao já conhecido,
me situo todo comensal,
e roubo aquilo que há de melhor em ti:
o sobejo teu:
tu mo excretas pela boca,
e despercebido a ti,
(e completamente necessário para o todo o resto)
tu mo dás e regozijas à beira
do proibido.

tu não imaginas,
mas penetrar, adentrar em ti,
(não do jeito que pensas...)
é o que almejo,
e o que paulatinamente faço
à contramão da tua percepção -
e, à contramão da tua língua,
me instalo em teu verbo,
falo em nome da tua alma,
mas não comando tuas ações -
incompleto-eu que sou.

sinto muito:
minha presença é nada além
de um lenço alvo,
irresoluto voando em direção a nenhum lugar:
tu me pegas do ar, do éter,
e me usas para limpar
absolutamente coisa nenhuma,
pois sou-te inútil,
e extraterreno sendo,
me encanto seco,
esperançoso d'um dia escapar por entre o teu bolso,
rumo ao chão de terra pisada,
esfuziando!

dolorosamente concluo
que tu não existes e jamais exististe - e já me convenci:
és etéreo como uma nuvem e,
apesar do niilismo inerente ao Eu verdadeiro,
tu me conduzes a uma fé que é toda ao contrário:
enfermo-eu tento explicar-me inutilmente;
coleto, translúcidas, justificativas,
e me contento com idéias jamais concretizadas,
de conhecer-me por meio de ti -
tu, que és um meio, um começo e o fim -
eu, que sou água viva e água-viva.


-


sei que já tive tu,
mas em qual encruzilhada,
tu se perdeste de mim?
quantos mais caminhos vermelhos
terei que trilhar à procura
da imagem conhecida tua?


-


hoje vi fotografia tua,
estás alegre, rolando na areia da praia;
e um questionamento me doeu:
é que me questiono até quando agüentarei
não estar presente em teus gozos,
não proporcioná-los, sequer conhecê-los...
temo este meu futuro, preso à tua silhueta,
e, lunar estando, acendo uma vela,
pedindo à quem estiver disposto a ajudar-me,
por resignação frente àquilo que jamais farei parte.

é a solidão do não-pertencer,
diz Clarice,
rasgando a folha de papel na qual minha vida sempre limitou-se.

é algum tipo de noite que jamais finda, essa tua silhueta.

e queria eu ser esta noite para fundir-me a ti,
mimético-religioso-eu, perder-me dentro de ti,
circunscrever-me em teus contornos,
sumir na fotografia, fadecer no encanto, enervante...


-


e então não mais seria tempo de continência, contenção, cativeiro:


segurar-te-ia a mão, colorindo teus vasos sangüíneos, me afundando em tua
cicatriz ser-te-ia uma luz estranha, lenta, a iluminar teu
caminho ser-te-ia o coração estrangeiro, sem-teto, a ser auxiliado pela tua
bondade de infinitos sentiria o arfar de teu suspiro, sonâmbulo e duro, e me
fundiria a ele em perispírito seria o teu nada, mas não o teu tudo - essa tua
imensidão desinente ao retrato branco-e-preto sentiria a tua
verdade doer em meus pulmões, maltratando minha face qual tempestade de gelo.

sentiria um amor jamais antes sentido
tocar-te-ia aquilo que jamais imaginaste antes ser tocado
viver-te-ia a vida, para não mais sentir-me tangencial às tuas delícias
seria tuas delícias
seria a lama dos teus pés
seria noite
seria vento
seria lua
ser-te-ia, por completo.

e... que mais me restaria?
tenho medo da liberdade...
mas... vês-me? estou aí dentro -
cardiotoráxico que sou.

Nenhum comentário: